Pega um café e vem comigo, pois hoje a viagem é longa.
Quando se quer voltar para a superfície
Quando o desejo é pisar na areia
Quando existe a necessidade de respirar
É nas suas costas que a onda se forma
Olhar para frente
Buscar terra firma
Tentar encontrar uma nova história
Enquanto outra onda se quebra
Já experimentou segurar o ar?
Já tentou parar o tempo?
Já desejou um outro destino?
A água sobe e chega ao seu ápice
O que cabe em um segundo?
Quanto vale uma ilusão?
Como chegar na areia?
O colapso é eminente
Há certas coisas que não são escolha
Tudo ainda está oculto
Mas já é possível sentir
A onda
Quebra
E leva
Tudo
Consigo
Mas eu não sou a onda
Não sou o mar
Não sou a água
A espuma alcança os pés
E se vai
Você provavelmente já sabe que precisei escrever um livro para dar conta de uma infecção, uma separação, um câncer de mama, uma mãe com câncer, uma pandemia e um luto. Precisei colocar este grande ciclo no papel e decretar seu fim. Ritualizar. Agradecer. Deixar ir.
No final do ano passado já vinha sentindo uma mudança por dentro. Algo sutil, mas que se apresentava como um estranhamento em ainda partilhar algo pessoal no Outubro Rosa ou recontar a minha história de alguma forma. E acho que é isso o que acontece com o passado: ele fica para trás.
Confesso que houve um tempo em que eu temia não ter mais nada a dizer. Me preocupava em criar textos sobre o cotidiano, o comum, sobre uma semana qualquer. O que haveria para ser falado se nada acontecesse na minha vida?
E veja que curioso: o que aconteceu foi exatamente o oposto. Essa nova versão foi se formando e ganhando espaço. E essa newsletter, meu maior aprendizado, foi a ponte que me fez chegar em um outro lugar (e por isso eu sempre agradeço a você que não me deixou falando sozinha).
No ano passado, o Jaya e eu fechamos um projeto lindo de viver, com crianças de uma escola pública em Guarulhos que começará em breve. E resolvemos dar um novo passo, dedicando nossa energia à empresa que ele já possui há anos, a Fronteiras Invisíveis, e aos projetos culturais.
Com isso, a escrita e a comunicação ganharam novos lugares na minha vida. Hoje eu sei bem quem sou, do que gosto e como posso entregar meu valor ao mundo.
Ainda assim, a vida segue sendo imprevisível e cheia de surpresas.
O colapso da função de onda (aquela outra, não a do mar) é o momento exato quando a onda se torna partícula. Colapsar a onda é trazer para a realidade física qualquer coisa que até então era apenas uma possibilidade, disse o Google.
Mês passado fui repetir meus exames e até escolhi ir conhecer uma nova oncologista, em um novo hospital perto de casa. Queria deixar para trás até o cheiro da empada de palmito da lanchonete. E, bom, acabei dando de cara com a ironia.
Foi apenas no último exame que ouvi a pergunta da médica, doce e gentil, quanto ao nódulo na mama esquerda – você já estava acompanhando? Não, era a resposta.
Esta seria a consulta de 5 anos do diagnóstico, a consulta em que eu comemoraria a remissão completa. E, de fato, o câncer que tive está curado. O que eu não previa era que haveria um novo caso.
Fiz tudo o que estava ao meu alcance para me manter saudável. Cuidei do corpo, da mente e das emoções, cuidei da alimentação e do espírito. E pensava, inclusive, que receber um novo diagnóstico seria muito, muito improvável – não havia um “terreno propício” para isso.
Ainda assim, a verdade é que uma célula se multiplica em duas, depois se tornam quatro e seguem seu rumo se transformando em sangue, órgãos, músculos, cérebro, até formar um ser humano inteiro nesta multiplicação incessante. E uma outra célula se multiplica em duas, depois se tornam quatro, e seguem se multiplicando até virar um câncer.
Na noite daquela consulta, antes de dormir, pedi uma inspiração, uma clareza para este momento. Acordei no meio da madrugada pensando que estava recebendo uma oportunidade de fazer uma nova escolha.
Para você que chegou agora, é importante saber que eu tenho uma mutação genética (BRCA1), e por isso tenho chances aumentadas se comparada à média da população de vir a ter câncer de mama, ovários e pâncreas. E a minha versão de 33 anos, essa eu do passado, escolheu pelo tratamento conservador. Não retirei as mamas, tampouco os ovários para prevenir um novo câncer – inclusive porque a retirada das mamas não oferece 100% de garantias contra uma reincidência.
Na época, retirar meus órgãos saudáveis era uma opção agressiva demais (e ainda é, confesso). Ter que passar pelo processo todo de novo me parecia mais fácil de lidar do que ter que encarar os efeitos colaterais (fisicos e emocionais) dessas cirurgias.
Além de tudo, na ocasião, eu precisava processar MUITA COISA. Olhar para mim, para meu desejo da maternidade (e os óvulos congelados), para a relação com a minha profissão, a relação com meus pais, a minha história de vida, a forma como me relacionava amorosamente, entre tantas outras reflexões e revisões que fiz nestes anos subsequentes.
Hoje, 7 anos depois do início de tudo, sou outra, com outros sonhos e outros medos.
Vejo tudo isso como um primeiro capítulo de uma nova vida que, apesar de lembrar um capítulo do livro anterior, não se engane, as semelhanças são poucas. Eu amadureci. Me sensibilizei e entendi que a vida não é algo tão individual (apesar da importância de saber olhar para si), mas sim uma teia complexa e bonita de interrelações.
Assumo as escolhas do passado e lido com elas. Ainda assim, revejo essa escolha e opto por não deixar um espaço tão grande ao acaso.
Segurança é ilusão. Eu sei disso. Aprendi com o corpo e tudo. Ainda assim, é uma ilusão que a gente gosta de ter. Que a gente quer ter bem pertinho, que é pra não sobrar espaço para enxergar o risco, mesmo sabendo que ele nunca deixará de existir.
Neste novo “livro”, já não tenho mais interesse em ser a protagonista. Inclusive, há uma nova história nascendo em mim que já não é mais sobre mim. E tem sido interessante experimentar este processo. Quero correr este louco risco de me jogar em uma escrita ficcional.
Farei o tratamento, começando novamente pela quimio, seguida pela cirurgia (completa, desta vez) e acredito que deva ainda passar pela radioterapia ao final. Ainda assim, quero que você saiba que esta newsletter não se tornará “o diário de uma paciente”.
Da mesma forma como evito, semana sim, semana também, escrever sobre escrever (é tentador de um jeito que só quem escreve vai entender), ainda quero seguir falando de tudo. Dos livros, das angústias, dos desejos, dos insights e dos sonhos. É isso que me preenche e me motiva.
Queria dizer também que este texto já é um texto escrito depois de um momento de elaboração – foi um susto, claro. Ter que fazer mil e um exames para saber que está apenas na mama é um período cheio de medos e inseguranças. Eu sei que o que está por vir ainda irá mexer comigo e é por isso que tenho vontade de compartilhar brevemente aqui. E sei também que irei me transformar mais um pouquinho – não tem como sair igual do outro lado, simplesmente não tem. Mas dessa vez vou deixar que essa experiência aconteça neste âmbito mais íntimo.
Escrevo com confiança, pois já conheço o caminho e quero que você saiba que está tudo bem. Vou me curar, eu sei disso. E a parte boa é que vai ser mais rápido dessa vez! Celebrarei as etapas concluídas em pequenas menções ao final dos textos enviados, assim este assunto não passará totalmente desapercebido, apenas terá o tamanho que quero dar dessa vez: um pequeno recado ao final.
Agradeço mais uma vez a sua companhia e o seu apoio.
Nos vemos em breve!
Sobre o adoecimento e a cura
A doença teve um impacto grande na minha vida e, sobre esse período, há diversos textos no Medium (os mais antigos), nos destaques do Instagram e também um capítulo todo dedicado ao tema no livro Uma Oitava Acima. Nestes locais já fiz os registros que precisava e que você pode ir lá consultar se tiver interesse em saber mais.
Desculpe o transtorno, estamos em reforma
Por último, um pequeno aviso: quero manter minha rotina e meus compromissos, mas como minha prioridade é minha recuperação completa, seguirei mais o calendário de dentro do que o calendário lunar.
De fora para dentro
Histórias leves para acalmar o coração
O Exótico Hotel Marigold, um filme dirigido por John Madden
Este episódio da Rádio Novelo, Garrafas ao Mar
Esta cartinha da
que carrega minha vontade de viajar e a inveja de não morar pertinho do UruguaiObrigada por chegar até aqui 🌻
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bru querida, obrigada por compartilhar conosco desta forma tão honesta e vulnerável tudo o que está passando. acho que o que eu tinha para te falar eu já disse por mensagem quando você me contou, mas deu vontade de vir comentar aqui e dizer o quanto admiro sua força e coragem. continuaremos te acompanhando te pertinho e te enviando muito amor <3
Amiga querida. A forma como se despe nas palavras é inspirador demais. Estarei aqui te apoiando e lendo casa palavra ❤️