Esta é uma edição especial que faz parte de uma brincadeira entre newsletteiros. Faço parte de um grupo de discussão sobre esse formato que me cativa cada vez mais e estamos repetindo uma dinâmica que foi feita ano passado (antes da minha chegada) de um amigo-secreto em que o presente é uma carta com base no texto da newsletter do seu amigo.
Minha amiga é a
da Colcha de Retalhos. Uma pessoa que gostaria de poder dar um abraço pessoalmente, mas que, devido à distância, espero que se sinta abraçada por minhas palavras.Querida Lívia,
Peço licença para trazer este pequeno trapo meu, com amor, e costurá-lo em sua colcha de retalhos.
Comecei pelo seu texto mais recente, Tudo é perigoso, é divino e maravilhoso, e fui explorando cada cantinho, pois em tantos textos fui me reconhecendo e querendo mais. As emoções que você coloca ali fazem isso, me oferecem um lugar de semelhante, e por isso disse que vim aqui escrever para você, mas escrevo também para mim.
Queria que este pedaço meu pudesse não ser um trapo, mas sim um retalho de ceda pura ou algum outro tecido nobre recém-chegado do oriente, onde há mais cor e sabedoria. Mas o que posso te ofertar é apenas a minha companhia: estamos juntas nesta mesma bagunça chamada vida, mirando lá em 2024, lembrando que o fim também é caminho, e que é tempo de comemorar cada semente, cada passo para frente, cada vez que conseguimos respirar.
Queria te dar de presente palavras bonitas, bordadas uma a uma, para adornar a sua bela colcha. Mas o que posso é apenas te contar que também planto flores no jardim e exercito a minha fé regando e esperando que brotem. Certas sementes rompem a casca, enfrentar os contratempos, e crescem. Outras rompem a dor e se tornam cor no coração, pois não podemos nos esquecer que palavras também florescem.
Queria poder te dar neste Natal um vendaval e muita chuva. Isso porque suas palavras-semente são potentes e ficaria feliz se a natureza se encarregasse de espalhá-las por aí, até atingirem muitos leitores internet afora.
E não sei se você sabe, mas seu coração transbordante cria pontes com outros que, como o meu, irão se reconhecer em seus relatos. Então, espero que prossiga. Que siga escrevendo. Deixe as emoções desaguarem em palavras. Pode até parecer que as últimas cartas que escreveu foram mais pra você que pra qualquer pessoa, mas tenho aprendido que sempre chega em mais alguém. Então, insista.
A vida é tudo junto ao mesmo tempo. Uma mistura digna de loucura, pois não é nada simples sentir essa confusão de emoções, e desejos, e caos. Mas penso que esta seja também justamente a beleza. Pra mim, o verdadeiro é sempre belo.
Aumente o volume do que é bom, pra balancear as coisas ruins que a vida traz. Que neste novo ano possamos olhar mais para o que ilumina, o que alenta, o que insiste em se tornar poesia diante dos nossos próprios olhos. O importante é treinar o olhar. E insistir em descobrir essa alquimia que faz coisas e situações virarem um jardim inteiro em cada texto.
Sabe, Lívia, não sei se é exatamente assim para você, mas no fundo, no fundo, penso que percorremos tantos caminhos, e, incessantemente, construímos tantas coisas. Nos distraímos do essencial, nos esquivando do que importa, ocupamos os vazios e os silêncios, que se fossem escutados sussurrariam: é tudo sobre amar e ser amado.
Caminhos tortos e confusos, vacilantes. Caminhos que fazem a curva na dúvida do desejo do nosso coração. Às vezes, precisamos pausar. E sentir tudo o que evitamos sentir por uma vida inteira. E, então, perceber quem somos e seguir com essa nossa versão, a que nasce das entranhas e da certeza de que, na verdade, não estamos só.
Se algo disso tudo fizer sentido, junto com esses pensamentos, receba também o meu amor.
O mundo anda acelerado demais, Lívia. E costurar uma colcha é trabalho manual. Vai contra essa correria imposta. É ancestral. Talvez sua mãe tenha te ensinado. Talvez tenha sido uma avó ou uma tia. Em tempos modernos, pode até ser tutorial no YouTube. Mas juntar os nossos trapos e arrematá-los com linhas já foi parar nas nossas células e é uma forma bonita de pausar a correria sem fim.
Pode ser que sua colcha seja apenas figurada, ainda assim te digo: dá na mesma. Se sentar em frente a tela em branco, encontrando nossos pedaços e enfileirando lado a lado, é tambem uma forma de arte, sabia? E é mais uma maneira de parar o tempo.
De uma forma ou de outra, siga fazendo.
Espero que esta carta-presente te chegue com todo o meu afeto e que seja uma dose extra de energia para estes últimos dias do ano.
Logo depois da curva, haverá sol de novo. Logo depois do morro, um pouco de noite estrelada. E ainda haverá inverno, e mais chuva, e mais sensação do fim da linha. Para depois esquentar. Nascer e morrer, sucessivamente, até que chegaremos ao fim, não subjetivo, não intelectual, mas ao final de nossas vidas. A nossa única certeza. Até lá, não é preciso ter pressa.
Um beijo, com amor e resiliência,
Bruna
Essa cartinha era também para você?
Me conte :)
Tambem ganhei uma cartinha. Quem me escreveu foi o
a partir do meu texto sobre o tempo, e me levou de volta aos primórdios da tipografia. Vem aprender com ele :)
Vc vai acreditar se eu te contar que tô com essa aba aberta pra fazer um comentário desde dezembro de 2023? Nem eu acreditei, sinceramente! Desculpe minha falha de não ter expressado minha alegria com a beleza da sua carta no momento certo, mas antes tarde que nunca né? Foram belas palavras, que tocaram meu coração e me fizeram sorrir muito enquanto lia, queria que você soubesse disso, mas como tudo na vida, foi ficando pra depois e o depois quase que não chega. Mas como nas cartas de antigamente, acredito que mesmo a resposta que demora meses ainda é digna de ser escrita e lida. Te agradeço demais pelo presente e pela presença <3<3<3